Monday, December 22, 2008

samsung

O ano de 2008 – que já não ia famoso – terminou com o Ministro da Cultura, limitado por uma manifesta falta de talento e de orçamento, a demitir-se da tarefa para a qual o Ministério da Cultura, pelo menos desde Manuel Maria Carrilho, tem revelado uma dramática incapacidade, a da gestão dos equipamentos culturais.

A peregrina ideia de entregar o património cultural público à sorte que os privados lhe queiram dar – de que a saia da Samsung que por esta altura veste o Cristo Rei é um lamentável preview – decorre do desencontro, aparentemente insanável, entre estratégia cultural, gestão orçamental e política patrimonial.

As razões de fundo que explicam o desastre na Cultura – quer a política seja nacional, quer (com honrosas excepções) seja local – coincidem com as causas que explicam mais um adiamento relativo à decisão do espaço que irá acolher o Mude – Museu do Design e da Moda.

Em relação ao Mude a história é fácil de resumir: em 2002 o então presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Pedro Santana Lopes, comprou a colecção Francisco Capelo – que no CCB fazia uma media de 40 mil visitantes/ano – por 6,6 milhões de Euros. A Colecção Capelo, sendo desequilibrada enquanto espólio capaz de suportar um Museu do Design na medida em que se circunscreve essencialmente a peças de produto e interiores entre os anos 60 e 80 (e não sendo sequer, como frequentemente se apregoa, uma colecção única em Portugal como sabem aqueles que já viram outras colecções de privados portugueses), parecia representar um investimento de risco controlado, capaz de “actualizar” Lisboa no mapa das capitais europeias que possuem um museu de design. Para Directora a escolha (discutível é certo) recaiu sobre Bárbara Coutinho que passou a dispor de uma colecção com duas mil peças, de algum pessoal técnico, de um modelo (o do Design Museum de Londres) e a aguardar um espaço. É a própria Bárbara Coutinho quem afirma que desde a saída do CCB o Museu tem funcionado na “invisibilidade” e como as coisas que funcionam invisíveis são difíceis de ver, do Mude não se tem visto nada, exigindo-se que, antes de 2010, através do Site ou de colaborações com outras instituições, a programação do Museu ganhe um mínimo de visibilidade.

A CML prevê agora um investimento de 21,7 milhões de Euros para adquirir o belíssimo edifício da antiga Sede do Banco Nacional Ultramarino situado na Rua Augusta para aí instalar o Mude. Claro que conseguimos esperar até 2010, a questão não é a de ser ou não suportável a espera ou serem ou não aceitáveis as suas razões, o que se vai tornando menos suportável, bem entendido, é o deserto cultural que tem avançado sobre Lisboa e o Porto (para falar apenas nas duas maiores cidades) que condena a prazo espaços alternativos (como aconteceu com Casa dos Dias D’Água na Estefânia e ameaça acontecer com o Oásis que é o Espaço Avenida) ao mesmo tempo que espaços públicos se encontram entregues ao abandono e à natural degradação.

Num país onde o exíguo espaço de um Silo de estacionamento de um Centro Comercial, o Nortshoping de Matosinhos, é o único espaço com um programação regular de exposições de design, não se justificará uma urgente e alargada discussão?

Wednesday, December 10, 2008

bpn



QUE DESIGN PERANTE A CRISE?



Os momentos de crise económica são historicamente momentos de evolução do design. Por um lado, porque a crise de um modelo ideológico vigente possibilita o fortalecimento de um modelo ideológico alternativo equilibrando deste modo as relações entre retaguarda e vanguarda; por outro lado, porque em momentos de crise a estratégia de reacção governamental passa, ou pelo menos passou insistentemente ao longo do século XX, por recorrer ao design, não só como processo de mediação e catalisação social – como comunicador de esperança – mas, sobretudo, como processo de racionalização e inovação da produção, A reiterada aposta do “choque tecnológico” por parte do Governo de José Sócrates, que o politiquês associa reiteradamente a palavras como “design”, “inovação”, “competitividade”, mostra que, também no actual contexto português, a aposta no design surge como um contributo para uma possível solução para a crise.

Num artigo intitulado O design de uma política do design, o designer mexicano Julio Peña, historiógrafa sucintamente as ligações entre políticas de design – com o reforço corporativo do design muitas vezes através da sua estatização – e políticas de retoma económica. Curiosamente, o que ressalta é o facto dos momentos de maior envolvimento do design, os momentos em que a agenda do design está mais explicitamente definida correspondem a momentos de “orientação externa” da disciplina, momentos em que, se se quiser, o próprio design – ou pelo menos a sua agenda – é nacionalizada.

Se, no contexto português, alguns sinais dessa nacionalização são evidentes – do marketing do Magalhães à política de comunicação do Governo – mais se destaca o silêncio das associações – tanto faz se nacionais ou portuguesas – de design e do Centro Português de Design, que, das duas uma, ou desconhecem a existência de uma crise ou desconhecem o que o design possa ter a ver com isso.

Num artigo publicado no passado dia 14 no Herald Tribune, Alice Rawsthorn retoma a questão das responsabilidades do design em período de recessão, propondo um “redesign” no modelo vigente de negócio e dos serviços e um maior envolvimento do design na solução de problemas sociais: do crime ao desemprego.

Porém, falar em crise económica não deve branquear a verdadeira origem do problema, a crise política ou, na expressão de Félix Guattari e Toni Negri, no ensaio Les Nouveaux espaces de liberté, a crise do político, cuja natureza não se deixa reconduzir, como frequentemente se quer fazer crer, a simples disfuncionamentos económicos, independentes do politico, mas antes resulta de uma ruptura na capacidade das instituições para se transformarem. A crise do político tem as suas raizes no social. Daí a exigência de uma nova política, a “exigência”, nas palavras de Guattari e Negri, “de uma requalificação das lutas de base com vista à conquista contínua de espaços de liberdade, de democracia e criatividade”.

Que pode o design relativamente a esta luta? Há na tradição histórica do design, em particular na agenda modernista, reforçada na ambição de neutralidade do Estilo Internacional, a promoção da atitude apolitica do design. Em Countering the tradicion of the apolitical designer, Katherine McCoy sumariza esssa tradição apolitica para reforçar a necessidade de um envolvimento projectual na organização das estruturas de funcionamento político: “The question is how can a heterogeneous society develop shared values and yet encourage cultural diversity and personal freedom? Designers and design education are part of the problem, and can be part of the answer. We cannot afford to be passive anymore. Designers must be good citizens and participate in the shapping of our government.”

Autores como Iris Marion Young consideram que a actual crise resulta do esgotamento da democracia deliberativa dominante – uma “forma de democracia que não admite diferença ao falar e escutar” – defendendo uma democracia comunicativa, herdeira das teorias da acção comunicativa de Habermas, um modelo baseado da discussão, “uma acção comunicativa envolvendo reciprocidade assimétrica entre sujeitos.”

O desafio do design perante a crise não passa pelo desenvolvimento de estratégias de união ou unificação, mas pelo desencadear de acções de ruptura capazes de manifestar a diversidade. A única possibilidade de se evoluir a partir da crise passa, em primeiro lugar, pela capacidade de a reconhecer, de “identificar as presentes relações sociais, estruturas de poder e grelhas socioculturais de comunicação que limitam a identidade das partes no diálogo público e que estabelecem a agenda para o que é considerado adequado ou desadequado como questões de debate público” (Seyla Benhabib, Liberal Dialogue versus a Critical Theory of Discursive Legitimacy); em segundo lugar promover um verdadeiro debate – o que implica, desde logo, a recuperação do espaço público – devendo o design contribuir para a integração, no espaço do debate político, dos discursos informais, da linguagem que tem menos recursos linguísticos, mas também dos que têm menos recursos sociais, económicos e políticos, nas estruturas de decisão.

Repensar o político através da procura dos requisitos pragmáticos capazes de articular igualdade social e diversidade cultural parece-me, em síntese, o desafio que se coloca ao design em período de recessão.

Wednesday, December 03, 2008




Encontrei, no meio de um conjunto de jornais colocado de lado para reciclar, uma curiosa entrevista, já com algum tempo, dada por Simon Vukcevic, futebolista profissional da equipa do Sporting. Na entrevista, questionado sobre os seus ídolos no mundo do futebol, Vukcevic afirmava despudoradamente que não tinha quaisquer ídolos ou referências e ia mais longe ao declarar que não via jogos de futebol, não comprava publicações sobre futebol, não conhecia jogadores, treinadores ou tácticas, em suma, não lhe interessava o jogo – em relação ao qual não conhecia a história, as polémicas, os protagonistas - apenas lhe interessava jogar. As declarações, de um futebolista profissional que não se interessa por futebol, embora nos surpreendam, recordam-nos que o futebol e os futebolistas não são a mesma coisa e, embora sejam indissociáveis entre si, os futebolistas não têm de estar empenhados na construção do futebol, além do mais o futebol é construído por diversos agentes –gestores, empresários, treinadores, críticos, jornalistas, professores, sindicalistas, consumidores… - cuja acção raramente é solidária e cujas visões sobre o futebol poucas vezes são coincidentes.

Sabemos também que um determinado agente pode ter uma acção determinante no futebol embora seja inapto como futebolista e que um excelente futebolista não é necessariamente apto para assumir outro tipo de protagonismo no futebol. Disso há vários exemplos: de treinadores de excelência que foram jogadores medíocres (como José Mourinho), de jogadores de excelência que são incapazes de pensar ou gerir o futebol (como Eusébio), de críticos pertinentes que nunca deram “dois toques” numa bola (como Luís de Freitas Lobo), de gestores desportivos que nunca integraram uma equipa de futebol (como Hermínio Loureiro). De resto os futebolistas – a quem é pedido que se limitem a fazer o seu trabalho, ou seja, que joguem futebol – tendem a ser os menores protagonistas na definição da “agenda” do futebol – essencialmente definida pelos patrocinadores, pelos gestores e, em parte, pelos jornalistas. Com os futebolistas profissionais condescendemos e, jamais, lhes exigimos que tenham uma ideia do que deveria ser o futebol e uma estratégia responsável para o concretizar, a eles limitamo-nos a exigir que (reduzindo-se ao seu lugar) joguem à bola, que sejam capazes de “dar espectáculo”. Perante esta exigência não se espera – seria absurdo esperar – que um futebolista profissional reaja, evocando Guy Debord, contra a banalização do futebol dentro de uma sociedade do espectáculo e que defenda uma visão socialmente mais responsável, mais saudável, mais desportiva do futebol.

Bem entendido, o futebol é aqui uma metáfora. Como se percebeu não deixei de pensar em design e em designers.

Monday, December 01, 2008

gato


FAST FORWARD


new

debates/O site de Wolff Olins lançou o debate sobre a importância no novo no design. O, sempre atento, ForoAlfa publicou uma primeira reflexão por Lucas López e agora foi a vez de Aitor Méndez continuar o debate com um artigo - "El Diseño social como perversion" - que vale a pena ler.


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publicação/Não há actualmente muitas publicações destinadas a um público juvenil que verdadeiramente me atraiam quer pelos conteúdos quer pelo cuidado gráfico. Uma excepção é a Anorak muito devido à qualidade dos ilustradores que com ela colaboram: Damien Correll, Adrian Johnson, Steven Harrington...



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música/Neon Bible dos Arcade Fire para ver (e voltar a ouvir).



designers

novidades/O começo doDesigner's Review of Booksnão foi arrebatador mas merece o benefício da dúvida; já o Dicionário on-line de Design Gráfico parece-me muito longe do que precisávamos.



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ironia/Shepard Fairey, o criador do Obey Giant, foi a Paris dar uma mão a Nicolas Sarkozy…ou talvez não, no cartaz lê-se “Faire payer les enterprises qui polluent: Yes We Can”.



dino

entrevistas/Duas: com Dino dos Santos no Tipografia em Portugal e com os Adam e Sébastien na Eye.


That's All/PS: o gato de pernas para o ar é a ilustração de capa do n.4 da Le Gun.
O DESIGN SOCIAL EM QUESTÃO: ENTREVISTA COM JOANA BÉRTHOLO


Em Setembro de 2007, o Reactor entrevistou Joana Bértholo na altura responsável pela pesquisa e coordenação do projecto Social Design Site, sediado em Berlim. Formada em Design de Comunicação pelas Belas-Artes de Lisboa, o seu trabalho de final de curso sobre produção gráfica sustentável parece ter-lhe definido o rumo. A causa de um design socialmente mais empenhado é actualmente central no seu trabalho e na sua vida.




REACTOR: No final da década de 90 assistimos ao ressurgir do discurso na sua forma mais comprometida com a acção – o manifesto. A publicação de uma nova versão do Manifesto First Things Firts em 1999 parecia encontrar, nessa viragem do século, espaço de recepção entre designers (teoricamente preparados pelo criticismo norte-americano e crescentemente identificados com os processos de acção directa de estruturas como os Adbusters ou os Cactus Network) impondo uma “agenda social e política” associada ao trabalho dos designers. Que leitura faz desse processo e o que lhe parece ter sido construído a partir daí?

JOANA BÉRTHOLO: No essencial, penso que as coisas não mudaram muito.
A comunidade de designers é ainda qualquer coisa de plural, e é bom que assim seja. Mas julgo que estamos ainda longe de uma unidade no que toca a percepção do nosso papel como agentes sociais. Há ainda uma larga maioria de designers para quem estas questões não são sequer ponderadas. Ou que se sentem de tal forma limitados por uma instituição, um cliente, ou um mercado, que transferem a ideia de uma agenda social e politica permanente, para um plano utópico, ou teórico, muito além da sua zona de actuação.
Se em 64 eram umas quatro centenas de visionários, em 99 seriam só uma pequena elite, mas representando muitos mais; Em 2007 somos já uma rede, altamente activa, altamente motivada, altamente dedicada. Mas, arrisco: ainda em minoria?
A verdade é que ainda se discutem as consequências e competências sociais do design como se fosse qualquer coisa a integrar, a anexar, ao processo. Como se não fosse algo de intrínseco à actividade de qualquer designer: quer ele esteja consciente disso ou não.
Indubitavelmente, esse nível de consciência aumentou, ou generalizou-se. E até a uma velocidade considerável, neste último par de anos, com o surgimento do “verde” e do “sustentável” como algo em moda.
Hoje, fechado ou não num fenómeno de moda, o design social e ambientalmente responsável tornou-se uma tendência tão forte e contagiante, que enfrentamos uma quase-saturação de networks e contactologia, sobretudo promovidas pela net. Todos os dias surgem recursos e plataformas novas ao serviço do designer bem intencionado. A oferta não aumentou só a nível do tamanho dessa (talvez) minoria, como também na sua complexidade. Cada vez mais, os designers a encontram lugar dentro de equipas multidisciplinares, e são chamados a responder problemas de pertinência global, de redesign de atitudes e paradigmas, muito para lá dos objectos e das mensagens.
Na base de qualquer discurso sobre Design Socialmente Responsável tenho de clarificar que não sou adepta da ideia do designer-todo-poderoso que vem salvar o mundo. Acredito que os designers têm de assumir o poder (papel?) que lhes possa caber, como iniciadores, como promotores, como catalistas ou como mediadores, entre uma lógica de consumo e uma lógica de informação. Mas não está só nas nossas mãos. Temos de saber é dar as mãos às pessoas certas…Entenda-se: quero com isto dizer, cooperação, colaboração e multidisciplinaridade.


R: Um célebre editorial de Vicente Jorge Silva no Público classificava, em meados dos anos 90, uma geração de estudantes universitários e pré-universitários portugueses de "geração rasca". O que, então, se questionava era a existência ou não de causas associadas a uma determinada luta. Também no Design, o empenho e a responsabilidade social parece só agora surgir definida depois de oscilar entre um “discurso de oposição” e um “discurso de alternativa”. Ter-se-á evoluído do designer como “agitador” para o designer como “catalizador” social?

J.B.: Tenho algumas reservas em relação a esta ideia de evolução: há aqui alguma avaliação qualitativa do designer como catalisador em relação ao designer como agitador? Não será que na maioria dos casos uma e outra coisa andem de mãos dadas?
Acredito sobretudo na força de uma pluralidade de tipologias, sempre dentro de um entendimento comum do papel social do designer. Há tantos papeis e tantos contextos a preencher, que generalizar seria colocar as largas possibilidades da actividade do design dentro de um compartimento demasiado cerrado.
Nem todos os designers estão interessados em trabalhar à margem de um sistema, ou em oposição a este. A maioria nem acha isso exequível. Nem tudo se reduz a um questionar do “status-quo”, mesmo quando manter o espírito crítico seja condição incontornável.
Fazer perguntas. Pensar fora da caixa. Alternativa, ou oposição…
Dentro de uma ideia maior de design socialmente consciente, há diversas abordagens, do designer como agitador, como reivindicador, mas também do designer como iniciador de novas tendências, como promotor, como facilitador, ou acelerador/catalisador…
Há também um novo espaço de actuação em definição gradual, que pessoalmente acredito irá dominar a actividade do designer em futuros próximos. Esta tem a ver com a ideia do designer como maestro, como aquele que desenha as ferramentas ou lança as estruturas sobre as quais ou com as quais todos os outros podem desenhar também. As ilustrações mais expressivas desta tipologia são todos os tipos de software e jogos “open-source”, ou o Second Life. Através desta lógica, o designer pode tornar-se um agente extremamente importante na criação de formas de participação social, de cidadania, de debate público.
Não acho que haja evolução. Talvez, complexificação ?


R: Parece claro que a acção que não é orientada por um “programa” é tendencialmente estéril. A Exposição Catalysts que o Max Bruinsma comissariou para o CCB (integrada na Experimenta) era, em meu entender, desastrosa porque, retirando os trabalhos ao contexto crítico da sua produção, apresentava aos visitantes simples exercícios formais. Parece-me que os “culture jammers” tiveram o mérito de dar visibilidade mediática à ideia de que o design é uma ferramenta social, política e económica, ideia esta que recebeu a necessária sustentação teórica e programática em obras como o Citizen Designer do Heller e da Vienne . Este enquadramento programático e a sua crescente divulgação – em conferências, revistas e mais recentemente blogs – permitiu o ressurgimento de projectos colectivos com lógicas fortes de aplicação social do design, algo que desaparecera com o fim dos projectos-escola (a Bauhaus, Ulm e finalmente Cranbrook) e que em termos de design estava ausente das preocupações dominantes das ONG’S dos anos 80 e início de 90. Um exemplo, a globalização. Embora encontremos reflexões sobre a globalização e o global design a partir do final dos anos 70 (Papanek; Christopher Lorenz) verdadeiramente só com o Massive Change do Bruce Mau é que o tema encontra centralidade na cultura do design contemporânea…

J.B.: Precisava de perceber primeiro o que se entende aqui por “programa”. Se tem a ver com a ideia de “causa” então, para mim, a esterilidade da acção está muito mais no sujeito, na profundidade dele nessa entrega ou conhecimento do “programa”, do que na ideologia em si. Pode ser mais relevante o abraçar de uma causa, do que a causa em si. Há eterna dicotomia dos meios em relação aos fins, do processo em relação ao resultado. Mas fico sem perceber em que bases a primeira afirmação é feita.

No que concerne a Catalysts, receio discordar. Não a li como uma superficial justaposição de exercícios formais. Bem, até o Muro de Berlim, ao longo do qual pedalo todas as manhãs para chegar ao escritório, se olhar para ele objectivamente, é um troço de cimento com 3 metros de altura. Mas que ideologias (Programas? Causas?) estão subjacentes a estes destroços? Que mudanças de percepção estavam sugeridas em cada um daqueles cartazes no CCB?
Achei a exposição pertinente como iniciadora do discurso. Como ponto de partida, e como ponto de encontro. Até que ponto um trabalho tem de ser contextualizado quando se abordam questões como a fome, a inclusão social, desequilíbrios económicos, ainda hoje tão prementes? Nesse sentido, é interessante explorar uma intemporalidade…
Sim, o Massive Change traz finalmente uma proposta explícita e bem colocada de uma consciência global, holística, interconectada. É feliz em ajudar-nos a ver de uma forma macro, sem esquecer um compromisso especifico a um contexto local. "Good design is good citizenship", lá dizia o Milton Glaser …


R.: Falemos agora do Social Design Site, como caracteriza esta estrutura e como se deu a sua integração no projecto?

J.B.: Integrei o projecto na qualidade de estagiária, pouco depois de me licenciar em Design de Comunicação pelas Belas-Artes de Lisboa. Procurava experiência “de campo” nesta área. Por este projecto passam muitos outros, e foi isso que me atraiu. Acabei por ficar responsável pela criação da nova plataforma, on-line no início de Outubro próximo. O que existe on-line hoje, no momento desta entrevista, desaparecerá em breve. Sobre esta nova fase, é prematuro desenhar conclusões.
O intuito do Social Design Site é primeiramente promover debate em volta do tema. Nesta segunda fase, procurou-se partir de uma participação passiva (a exposição on-line como existe hoje) para uma construção participativa horizontal. Não é uma lógica em si nada original: basta olhar no que está a brotar pela net em todo o lado. Os fenómenos 2.0 todos - mas não uso esse termo porque de repente parece uma carapuça onde se enfia de tudo.
Todos os dias surgem uma panóplia de estruturas próximas, orientadas para o “empreendedor social” – que eu espero que seja um sinónimo de “todos nós” - ou para o designer, redes de networking, partilha de recursos, portais de informação, tudo em volta deste mesmo tema (considerando as variantes, claro, pois até dentro da denominação “Social Design” se encontram coisas em nada relacionadas…).
Posso mencionar WiserEarth, Idealists.org, DesignCanChange, ou Design21 como algumas das melhor conseguidas. Mas sei que a próxima vez que me sentar ao computador surgem mais umas quantas… O Social Design Site pode bem ser só mais um. Ou não. Estou muito curiosa acerca do que vai acontecer depois do re-lançamento do site.
Naturalmente, aprendi já imenso com esta experiência. Construi uma percepção do Design Social bastante diferente daquela com que saí da Faculdade. As coisas estão a acontecer a uma velocidade galopante, e há uma centralização de recursos na net, de tal maneira intensa, que é difícil manter uma macro-visão. Mas há muito movimento. Muito vento, também… muito discurso, muito manifesto – pouca acção. Ou, para ser justa, menos acção do que poderia haver. Idealmente. Mas estamos no bom caminho…


R.: Com a insistência crescente no tema da responsabilidade social do design (sucedem-se os eventos, as exposições e o aparecimento de estruturas desde as mais “pesadas” como o Design21 às unipessoais) não se corre o perigo do “design social” ser um termo que se pode banalizar (tornar-se um slogan) no interior de um contexto “politicamente correcto”, ou seja, não há o risco da “utopia” de transformação social (tendencialmente revolucionária) se tornar numa ideologia consensual (tendencialmente conservadora)?

J.B.: Sim, há. Será isso necessariamente mau?
Sinto que já respondi a esta pergunta em todas as outras anteriores, mas posso reafirmar: Na realidade, não sei. Enquanto estas iniciativas existirem à margem da sociedade não vão realmente gerar uma mudança significativa. Há um nível de “banalização” que é desejável, a nível da consciência comum, ao que eu chamaria eufemisticamente, “mudança de paradigma”. No dia em que a ideia de um Design Socialmente Responsável se tornar de tal forma ubíqua e enraizada em qualquer projecto de design em qualquer sítio do mundo, que falar de Design Socialmente Responsável se torne um pleonasmo, falamos finalmente de Design. Ponto.
Sobre a forma como o sistema (e só esta ideia de sistema como algo alheio a nós já nos conduz a toda uma visão “desempoderante” e desresponsabilizante da situação) tende a assimilar as expressões marginais ou anti-sistema, ou meta-sistema, ou –
Bem, sobre isso admito que não tenho uma opinião linear. De repente, chocam–me coisas como o Tesla Roadster ter sido premiado com 100.000 euros pelo maior prémio internacional de Design Socialmente Responsável (INDEX awards, Copenhaga). Mas por outro lado, o argumento acerca do seu público-alvo especifico, celebridades e milionários, e como estes se tornarão veículos de promoção de um novo estilo de vida – esse argumento é muito válido. Numa sociedade onde extensivamente se emula e reproduzem comportamentos desta minoria famosa, pode até vir a ser um gesto altamente compensador em termos de benefícios e mudança de comportamentos.
Ainda não encontrei um projecto que não estivesse de alguma forma minado por contradições. O que não significa que o nosso nível de exigência deva baixar ou que devamos encolher os ombros perante estes dilemas éticos e morais. E manter o espírito crítico.
Como nota final, não acredito que uma ideologia consensual seja necessariamente conservadora. Nem que a transformação social seja necessariamente revolucionária…


R.: A Joana Bértholo regressou há poucos dias do INDEX, tendo escrito um excelente artigo de opinião sobre o evento, o que destacaria do que viu e em que medida o que viu lhe permite acreditar na capacidade de transformação social do design?

J.B.: Como disse acima, muita contradição. Posso acrescentar, numa nota de optimismo: muita saudável contradição. Indubitavelmente, os critérios de atribuição dos 5 prémios (body, home, play, community, work) deveriam ser mais explícitos. Não podemos continuar a premiar projectos que não sejam eximiamente exigentes consigo mesmos. E este espírito critico, esta capacidade de todos nós levantarmos questões e duvidarmos das coisas, é crucial no que toca aos nossos gestos mais básicos de consumo. Muitos daqueles projectos, para mim, levantavam questões de sustentabilidade e impacto social, que ficaram por responder.
Mas foi incrivelmente inspirador. Sobretudo as conferências. O painel era diverso o suficiente para uma estimulante convergência de pontos de vista, e esteve longe de ser dominado por designers. Diferentemente de outras conferências de design, não existiu em torno de imagens projectadas, em torno de objectos produzidos, mas em torno de ideias. Nesse sentido, foi muito etéreo. Muito motivante.
Realço particularmente a insistência numa mudança de percepção em que se representa o designer vindo dos países mais desenvolvidos e ricos como salvador ou missionário dos países em vias de desenvolvimento, para a percepção de que há imenso a aprender destes países – e de que a palavra chave é cooperação.
Em que medida é que tudo isto me permite acreditar na capacidade de transformação social do design? Bem, eu venho de um projecto que clama “WE CANNOT NOT CHANGE THE WORLD” portanto para mim a questão não se põe, é um dado adquirido. Ou, parafraseando, em que medida isto me permite tomar consciência da incapacidade de não-transformação social através do design?

É a diferença entre: Se pudéssemos, o que faríamos?
e: Agora que podemos, o que vamos fazer?

Monday, November 24, 2008

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NOT YET!

Não há projecto em Design sem o envolvimento do que, Gore Vidal, chamava de spirit of yet. Ser-se designer pressupõe acreditar num tempo futuro, que não sendo presente, yet, pode encontrar condições de realização através do processo projectual. Gui Bonsiepe dizia, a propósito, que “o futuro é o tempo onde se desenvolve o projecto de design, sendo através do design que esse futuro se concretiza”.

A este “spirit of yet”, a que também podemos chamar de “utopia” ou de “esperança projectual” (conceito trabalhado por Tomás Maldonado na sua obra maior: La Speranza progettuale de 1970) dedicou Max Bruinsma o seu mais consistente ensaio: The ideal design is not yet .

Partindo do conceito de utopia trabalhado por Ernst Bloch – "The perfect world as yet to come" – Bruinsma afirma que “In design, this notion of not yet has now regained its relevance. On the one hand it is relevant as an idea of practical idealism, in which the actual process of communication is at least as important as the fixed end result.”.

A relevância do processo em Design, igualmente discutida por Bruinsma em conversa com Bruce Mau , a relevância da “obra aberta”, como lhe chamava Umberto Eco, ou do design open-ended, são ideias referidas dentro de uma argumentação que valoriza crescentemente a recepção e que sugere um novo protagonismo ao designer dentro do que o próprio Umberto Eco chamava de recepção activa:"By accepting the possibility of leaving a design open-ended, by up to a point not finishing it, the designer not only leaves room for the recipient’s and reader’s own interpretation of the message - an emancipatory aspect, this - he also creates the space for a personal standpoint. The design now suggests that this is how things might be - it opens a dialogue about the way it itself functions in the communication process of which it is a part.".

Ao lermos o texto de Bruinsma reconhecemos a actualidade do velho texto de Umberto Eco intitulado Guerrilha Semiológica, datado de 1967.

Umberto Eco fazia coincidir o exercício de guerrilha semiológica com a possibilidade ética da comunicação no actual contexto de sociedades de comunicação de massa. Afirmando:

“O fenómeno das comunicações de massa pressupõe que existe um instrumento extremamente potente que nenhum de nós jamais conseguirá regular: existem meios de comunicação que não são controláveis por nós. (...)
Por isso à solução de estratégia será necessário aplicar uma solução de guerrilha.(...)
Se querem uma formulação menos paradoxal direi: a batalha pela sobrevivência do homem como ser responsável na Era da Comunicação não se vence lá de onde a comunicação parte mas lá onde chega. (...)
O universo da comunicação tecnológica seria atravessado então por guerrilheiros da comunicação que reintroduziriam uma dimensão crítica na recepção passiva.”.

Iniciativas como o Bubble Project ou The Decapitator podem ilustrar as possibilidades dessa recepção activa capaz de reintroduzir, localmente, um novo sentido a uma mensagem global. Nas últimas eleições para a Câmara Municipal de Lisboa, vários muppis de propaganda foram intervencionados, junto à boca de cada candidato saia um balão vazio. Aquele elemento significante caricaturava imediatamente o candidato a presidente, ao mesmo tempo que sugeria a equalização e pobreza dos vários discursos políticos.

No interior de um sistema de comunicação em massa, o individuo podia reinvindicar a sua autonomia, o seu protagonismo, através da forma como, operando a passagem de receptor a emissor, se envolvia activamente num processo de comunicação que apenas circunstancialmente pode afectar. Mas nessa afectação, por circunstancial que seja, residia um sinal de esperança, aquele individuo ainda assumia a sua cidadania, ainda reivindicava a sua individualidade, não se encontrava vencido pelo sistema, not yet.

Nos últimos tempos, gradualmente, assistimos ao modo como grandes empresas recorrem a estratégias de guerrilha – o chamado marketing de guerrilha – para sua promoção. Recentemente, o Centro Comercial Mar Shopping envolveu largamente este tipo de soluções comunicacionais na sua estratégia de divulgação – adolescentes a pedirem boleia para o Shopping ou a deslocarem-se para lá, de Metro, em fato de banho e munidos de prancha de surf. Talvez se possa falar aqui de uma espécie de “terrorismo de estado” que visa reforçar o controlo sob o espaço mediático.

A questão é esta: há uma inevitabilidade no design se desenvolver no interior do espaço mediático, espaço esse cujo controlo parece irremediavelmente perdido por parte do designer. Esta “perda” sente-se de múltiplas maneiras, desde logo na forma como os designers vão perdendo a crença no design. Termos como “utopia”, “ética”, “esperança projectual”, “the spirit of yet” são termos que podem ser envolvidos ou apregoados no plano dos discursos mas tendem, cada vez mais, a estar ausentes, no plano das acções.

Bruno Zevi falava de uma “crise de uma disciplina decaída em profissão: o design.” (L’Expresso, 24 de Julho de 1968). Afinal é importante não nos esquecermos: o design não é aquilo que os seus profissionais dele fizerem. A ética disciplinar não se aliena na ética individual ou corporativa. O design ideal é sempre “not yet”.

Sunday, November 23, 2008

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PRISUNIC (1968-1977)*

Inaugurados no início da década de 1930, os armazéns Prisunic iniciaram a sua segunda vida nas vésperas do Maio de 1968, apresentando em doses generosas – do mobiliário à comunicação gráfica – muitos dos ingredientes que associamos aos anos 60: pop art, radicalismo, psicadelismo, plásticos, imaginário sci-fi e uma equipa de colaboradores notavelmente criativos, com Jacques Lavaux à cabeça.

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O primeiro catálogo, surgido em Abril de 1968 foi dirigido por Francis Bruguière, Michel Cultru e Yves Cambier (que em 1973 ficariam à frente da Habitat francesa) e contava com propostas de mobiliário arrojado, de influência Pop, abusando dos plásticos coloridos, desenhadas por jovens designers como Gae Aulenti, Marc Held, Olivier Mourgue ou Jean-Pierre Garrauld sob o mote: estilo + qualidade + preço.

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O sucesso da Prisunic foi imediato. Em 1970 a empresa tinha 348 lojas espalhadas por França mais 48 lojas em várias cidades europeias e do norte de África e, nesse mesmo ano, quando Jean Baudrillard n’ A Sociedade do Consumo tem de pensar num modelo contemporâneo de grande armazém refere imediatamente a Prisunic.

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O catálogo viria a ser extinto em 1977 mas, em menos de 10 anos de existência, exerceria uma influência determinante ao nível da renovação do design de mobiliário, impondo uma nova concepção de ambiente doméstico, associando estilo e possibilidade de personalização, produtos baratos mas de aparência sofisticada, impondo um modelo rapidamente explorado pela Habitat no Reino Unido (a partir do catálogo de 1973) e pelo Ikea na Suécia (desde o catálogo de 1981).

6

A mesma influência terá o designer gráfico Jacques Lavaux responsável pelos catálogos da Prisunic. Até aí nunca se haviam feito catálogos de artigos de mobiliário como aqueles. O que se destaca na forma como Lavaux coreografa as camas, mesas ou cadeiras é a forma de as integrar num ambiente humano, vivenciado, por vezes performado, criando um interior que parece estar na fronteira entre a casa ideal – associando conforto, liberdade, felicidade – e a casa surreal – quase onírica. Muito do sucesso da Prisunic se deve a essas narrativas gráficas de Lavaux onde se comunica um mundo que apenas existia naqueles catálogos e que, no entanto, em parte coincidia com o mundo sonhado por aqueles que nesses anos faziam o Maio de 68.

*A primeira loja, criada pelo grupo Printemps, abriu em Dezembro de 1931 na rue Caumartin em Paris e, entre mudanças e fusões, a Prisunic durou até 2002 já sob a alçada na Monoprix. As datas 1968/77 reportam-se à publicação do Catálogo Prisunic dirigido por Jacques Lavaux.

Sunday, November 16, 2008

cinanima


Op. Cit.


Foi com entusiasmo que, há uns dias, ao folhear um jornal me deparei com um cartaz da Culturgest no qual, dentro do Layout típico da instituição, se destacava uma ilustração de João Machado. O que me entusiasmou no cartaz – afinal um cartaz de divulgação de uma sessão do Cinanima (para o qual João Machado fez alguns dos seus melhores trabalhos) na Culturgest – foi a surpresa de nele ver o que, à primeira vista, parecia ser uma citação.

No campo do design o valor da citação sempre me pareceu pouco valorizado e, por isso, o seu recurso pouco explorado. O que corresponde, no limite, a uma incompreensão da própria natureza do projecto. Projectar pressupõe sempre um exercício de repetição, de retomar de novo, face a um contexto diferente, o esforço antigo de arriscar uma solução. Também é claro que fazer design corresponde a intervir num processo que preexiste a essa intervenção e que essa preexistência está já moldada por anteriores “feituras” de design.

No cartaz da Culturgest a citação é explícita, sendo o pormenor de João Machado devidamente creditado. A citação pode ser explícita ou implícita. A própria citação implícita me parece, muitas vezes, fértil. É claro que o campo da citação implícita é mais perigoso pois ela pode comportar três tipos de exercício: o exercício de inspiração (que não tem de pôr em causa a autoria), o exercício de erudição e o exercício de imitação (que, em todo o caso, como treino me parece positivo daí que por vezes o recomende aos meus alunos).

São alguns os exemplos que encontramos ao nível do recurso à citação implícita. Sebastião Rodrigues citou várias vezes Paul Rand não deixando de integrar a citação dentro de um discurso autoral autónomo. Se quisermos alguns exemplos mais recentes basta pensar em vários trabalhos de Ricardo Mealha citando os Designers Republic ou, num exemplo actual, os trabalhos de Jorge Cerqueira para o Balleteatro citando, em vários deles, o de João Faria.

Volto a sublinhar que na citação implícita a fronteira entre inspiração, erudição e imitação pode, por vezes, ser ténue. Parece-me saudável quando um autor não sofre demasiado com, para citar Steiner, a angústia da influência. Ela não deve, pelo menos, conduzir a um receio em citar, com ou sem aspas. A citação é, afinal, uma forma de diálogo e o design (a sua teoria e a sua prática) faz-se, em grande medida de diálogos. Num contexto histórico em que devemos reaprender a dialogar – a perceber o que o diálogo exige de nós – talvez seja interessante reaprendermos igualmente a citar e aqui o Cartaz da Culturgest pode funcionar com uma interessante introdução.

PS: Já depois de ter escrito este "post" encontrei no Ressabiator (o trabalho obrigou-me a ler ao Domingo o que tenho por hábito ler à sexta de manhã) uma referência aos recentes cartazes do Martino&Jaña para o Centro Cultural Vila Flor. Na última sexta-feira olhei, com particular atenção, para quatro cartazes desta série que, não tenho dúvidas, está entre o que de mais interessante aconteceu ao cartaz português nos últimos tempos. O texto de Op. Cit. nasceu, precisamente, com o Cartaz da Culturgest e com os de Martino&Jaña que me parecem exemplificativos do valor da citação. Espero ter oportunidade de, em breve, lhes dedicar uma análise mais atenta.

Tuesday, November 11, 2008




A REVISTA TRIUNFO E A ESPANHA POP DOS ANOS 60

Encontrei, há poucos dias, numa feira de rua vários números, em relativo mau estado de conservação, da revista espanhola Triunfo . Se a um primeiro olhar é fácil considerarmos aquela revista como um parente pobre da Life, imitando-lhe, aqui e ali, opcções formais e editoriais, um olhar mais atento leva-nos a descobrir um projecto singular e com uma importância histórica frequentemente subvalorizada.

Durante as décadas de 60 e início de 70, dominadas em Portugal pela ditadura de Salazar e em Espanha pela ditadura de Franco, a revista Triunfo foi um projecto editorial absolutamente singular na península Ibérica.

Tendo nascido como uma revista sobre cinema, com edição semanal, transformou-se em 1962 na principal revista ibérica capaz de integrar correntes contraculturais do pensamento europeu e constituíndo-se num símbolo de resistência ao franquismo. Se vista hoje a revista Triunfo num primeiro olhar, parece combinar desequilibradamente preocupações de uma revista de LifeStyle (uma espécie de "jornal ilustrado de actualidades" como era a nossa Flama) com algumas "inquietações" de uma sub-cultura pop intelectualizada, a um olhar mais atento encontramos na Triunfo não só uma forte coerência e resistência editorial mas, igualmente, uma interessante galeria sob a qual, evolutivamente, desfilam ideias e tendências (do Situacionismo à Pop Art, da Op Art ao pensamento cultural e político gerado sobre influência de Frankfurt), que mostram a actualidade da revista numa altura em que "ser-se do seu tempo" era difícil em Espanha e perfeitamente impossível num Portugal onde a pobreza e o isolamento forçados se agitavam como opcção deliberada de um país "orgulhosamente só".

Documentamos, com mais pormenor, o número de 9 de Novembro de 1963 e apresentamos algumas das interessantes capas da Triunfo .










Thursday, November 06, 2008



"(...)

Lei de Murphy

1. Nada é tão fácil quanto parece.

2. Tudo leva mais tempo do que pensamos; ou, tudo leva o dobro do tempo que deveria levar; excepto se parecer fácil, então aí levará o triplo do tempo.

3. Se é concebível que algo corra mal, então esse algo vai correr mal; Se nada pode correr mal, então é porque algo vai correr mal; Quando parece impossível que as coisas fiquem piores é quando elas ficam.

4. Se existe a possibilidade de várias coisas correrem mal, aquela que causar maior estrago será aquela que irá correr mal. N. R.: Acontecerá sempre na pior altura possível.

5. Se alguma coisa estiver tão bem preparada que não pode dar errado, vai dar errado na mesma.

6. Se conceberes quatro maneiras possíveis de um procedimento correr mal e contorná-los, então um quinto, que não estavas à espera, vai aparecer rapidamente.

7. Toda a solução cria novos problemas.

8. Deixadas por si próprias, as coisas tendem a ir de mal a pior.

9. Se alguma coisa, aparentemente, parece estar a correr bem, obviamente que deixaste escapar alguma coisa.

9. A Natureza está sempre ao lado das falhas escondidas. N. R.: A mãe Natureza não ajudará em nada.

11. Um conjunto de eventos irá correr mal na sequência mais negativa possível.

12. Sempre que nos preparamos para fazer algo, alguma coisa tem de ser feita, necessariamente, primeiro.

13. Se aplicares a Lei de Murphy, ela deixará de ser aplicável.

Corolário: O conhecimento da Lei de Murphy não é ajuda em nenhum problema (paradoxo de Silverman: “Se é concebível que a Lei de Murphy corra mal, então ela vai correr mal”.).

Lei de Murphy para o Design

1. Os melhores projectos de design nunca sobrevivem ao contacto com o cliente.

2. A tua melhor ideia já tem direitos de autor.

3. A inspiração criativa flúi na proporção inversa à distância do atelier.

4. Velocidade; Qualidade; Preço. Escolhe duas.

5. As pequenas tolerâncias num projecto, irão acumular-se para causar um grau máximo de dificuldade na altura de as executar (Lei de Klipstein).

6. Não te preocupes, irá ficar pior. Se não ficar, é porque já não te preocupas mais com o assunto (conclusão de Songo).

7. Se há mais do que uma maneira de utilizar um objecto, e uma dessas maneiras pode resultar em desastre, então alguém vai utilizá-lo dessa maneira.

8. O teu cliente não irá "perceber".

9. Contacto com o cliente: Nunca atribuas à malícia, aquilo que pode ser explicado através da estupidez. Não atribuas à estupidez, aquilo que pode ser atribuído à ignorância. E não assumas que o cliente é que é o ignorante, até conseguires demonstrar que não és tu. (Esta lei é aplicável em qualquer situação, e não só com um cliente.)


Corolário: Ninguém sabe o que é que um designer faz. Se te perguntarem o que é ser-se designer, tu não saberás responder."

LUÍS INÁCIO, O LADO AMANTEIGADO DE UMA FATIA DE PÃO.

Tuesday, November 04, 2008

O ELOGIO DA (IN)COMPETÊNCIA


Charlatans satisfy clients, professionals satisfy their colleagues.

Everett Hughes


Foi recentemente desmascarado em Portugal um falso médico que, há anos, exercia a profissão, com consultório aberto, dando consultas de neuropsiquiatria clínica. Consta que tinha largas dezenas de pacientes, a maioria dos quais capazes de testemunhar a competência e idoneidade do suposto medico.

Não se trata de uma situação inédita. Lembro-me de há uns anos atrás um grupo generoso de pessoas defender um impostor considerando-o o melhor médico que já haviam tido. Há nestas reacções populares – pese a sua boa dose de non-sense – algo que merece ser levado a sério. O que estas reacções comprovam é que o modo que o senso comum tem de ratificar competência não se constrange com questões menores ligadas à formação, à profissionalização e outras que tais. Bem mais honesta, a competência não é reconhecida em função de anos de estudo, de títulos – mesmo que os impostores os possam ter e em bom número – ou reconhecimento por parte da Ordem, a competência é um conceito de certa forma mais difuso mas que, percebe-se, tem sobretudo a ver com “adequação” (que pode passar por coisas tão diversas como “ter a palavra certa”, ter caído nas boas graças do “meu mais novo” , ser “bem apessoado” ou ter sempre “o consultório impecável”).

Num texto publicado na I.D. em meados dos anos 90 intitulado In Defense of Unprofessionalism, Michael Rock olha com desconfiança para essa aparentemente inevitável correspondência entre: ser-se designer; ser-se formado em design; pertencer-se a uma associação profissional de designers. Se, para Michael Rock, pode fazer sentido uma rígida definição de critérios de reconhecimento profissional em disciplinas que envolvem assuntos de vida e morte (médicos ou taxistas) ou em disciplinas em que é fundamental que as coisas se aguentem em pé (como os engenheiros civis) levando à imposição de critérios mais restritivos (a Ordem dos Médicos exclui, por exemplo, os herbalistas ou os acupunctores) no caso do Design o amadorismo pode ser uma qualidade, que se traduz por uma menor ortodoxia, uma maior liberdade em explorar diversas possibilidades.

Parece certo que, no campo do design, o “bom profissionalismo” não compensa. Talvez seja a noção – de “bom profissional” – que esteja a ser tomada de forma muito redutora, mas parece claro que os clientes preferem sempre “aqueles moços” que fazem “coisas giras sem levantar grandes ondas” do que os “cromos” que questionam e discutem as propostas, que pedem tempo para pensar numa solução e que no limite – desaforo dos desaforos – podem até achar que encontraram uma melhor solução do que aquela que o cliente tinha tido. Também nas escolas de design, por mais rigoroso que seja o professor, por mais dedicado, empenhado e exigente que seja, nunca cairá nas boas graças da maioria dos alunos enquanto não assumir uma atitude do tipo “clube dos poetas mortos” e não perceber que as boas ideias tem-se no bar e não na sala de aula.

O falso médico foi proibido de exercer, em liberdade, a especialidade – e ninguém inventa ser neuropsiquiátra em vão – para qual estava talhado. Estou certo que continuará a exercer dentro na penitenciária onde for colocado. É que a competência não escolhe horas nem lugares.

Wednesday, October 29, 2008




REACTOR ENTREVISTA AURELINDO JAIME CEIA



Reactor: O Aurelindo Ceia faz parte de uma geração que eu designo por “Novo Design português” (juntamente com o Dorindo Carvalho, João Machado, Jorge Afonso, Carlos Gentil-Homem) que sucede (em termos cronológicos mas, sobretudo, em termos de opções e intenções formais e sociais) quer à “geração SNI” (Bernardo Marques, Kradolfer, Paulo Ferreira, Manuel Lapa), quer à geração de “transição” (Victor Palla, Sebastião Rodrigues, Sena da Silva). Fale-nos dos seus anos de formação e início de carreira e de como se relacionou com esta herança gráfica portuguesa.

AURELINDO JAIME CEIA: A minha formação é uma coisa um pouco peculiar, onde cabem várias passagens, desde uma deambulação por arquitectura durante um ano e meio, uma viagem a diversas casernas militares com despacho para África durante quase quatro anos, depois artes plásticas nas Belas-Artes, um ano de psicologia no ISPA, até, finalmente, aterrar em Design de Comunicação em 1975 (já um homenzinho, portanto), curso que acabei cinco anos e muitas folhas de Letraset depois.

Como digo algures, o curso na ESBAL dava os primeiros passos e íamos todos, professores e alunos, navegando em ondas improváveis de mares nem sempre conhecidos. Fomos fazendo o curso em conjunto, com as mesmas aflições e as mesmas alegrias, numa relação na altura muito produtiva entre o design, as outras grandes artes e as teorizações exuberantes que a liberdade recente (Abril) nos pedia (agora está tudo muito trancado nos seus quartinhos tristes de Bolonha…).
Em Portalegre, onde nasci, chegavam-nos ecos, distantes mas concretos, de outros mundos. Pelos quinze, dezasseis anos ia integrando imagens complacentes da história da pintura, do cinema (cineclubismo), da arquitectura, dos livros. Comprei os “Almanaques” todos (Sebastião), tinha peneiras com a cultura (um intelectual amargo, em certa medida um cliché anti-salazarista), o que dava um certo jeito à minha introversão natural. José Régio foi meu professor, com 17 anos comprava o Herberto, a cidade encravava-se entre os penhascos de S. Mamede e a distância das searas…

De qualquer modo, mais tarde, já em 75, alguns dos mestres que tive na ESBAL (falo, por exemplo, do Jorge Pinheiro, do Zé Brandão, do Rogério Ribeiro, do Lagoa…) abriram-me para a novidade e para a inquietação dos processos da comunicação e da sua possível dinâmica poética e social. O mundo do design vai-se-me formando como um desejo e, em certa medida, uma utopia.
O conhecimento da “geração SNI” faz-se por caminhos diferentes. No entanto, olhei sempre para aquilo como história envernizadora do Estado Novo. A estética das exposições, do folclore estilizado e dos cartazes turísticos tocava-me pouco. Mas as linguagens da pintura, do cartaz, do desenho, da própria arquitectura vão ganhando densidade, no confronto com os modernos mais inquietos – Sebastião Rodrigues e Victor Palla à frente – como o Sena, o Daciano, o Portas e também, por via destes, toda a Bauhaus e outros estrangeiros (Rand, Lustig, Glaser, Bass, Corbusier, Aalto…), sempre caldeados com as expressões pictóricas contemporâneas, mas tudo através de coisas reproduzidas, livralhada – um bocado “museu imaginário” à la Malraux. Uma razoável caldeirada bastante típica.

A “carreira” como designer é que não é nada típica. Comecei a fazer umas coisas para a área cultural ainda como aluno na ESBAL. Quando acabei o curso vim para aqui dar aulas (até hoje) e estive uns meses no atelier do Zé Brandão, com quem fui aprendendo as agruras da produção. Depois, sozinho, fui arranjando uns clientes patuscos, gente que acreditava que o design gráfico podia salvar o mundo e que era porreiro ser eu a tentar fazê-lo à borla! Safei-me depois numa série de trabalhos para a área da arqueologia (profissionais com quem dá gosto trabalhar, devo dizer), IPPAR, Museu de Arqueologia, para além de algum trabalho para autarquias (uns sujeitos sempre com muito pouco tempo para pensar as coisas por dentro).


R. : Foi um dos primeiros alunos do Curso de Design das Belas Artes de Lisboa. Que memória guarda desse início do ensino do Design em Portugal?

A.J.C. : O início do ensino do design em Portugal, pelo menos na ESBAL, foi, para mim, uma coisa muito estimulante. Talvez pelos meus atavismos, estimulante porque um bocado instável, agarrada a uma diversidade de linguagens plásticas, numa procura inquieta, às vezes bem disposta, outras contraída. O design como problemática, como ensino, era absolutamente urgente em Portugal. Claro que o governo via a coisa, tal como hoje, como um mero catalizador dos negócios, mas a verdade é que se discutia então nos jornais e em um ou outro forum não só esta sua dimensão, mas também o design como a possibilidade de uma linguagem digamos artística. Com o 25 de Abril a oportunidade da criação das licenciaturas é agarrada pelos cabelos na ESBAL (eu andava por lá, pelas artistices).

Aquilo baseava-se vagamente nuns modelos de algumas escolas estrangeiras, uma de Cuba, a velha Bauhaus, alguns princípios racionalistas de Ulm – e a coisa era de tal ordem que, dos 5 anos, o primeiro era comum aos quatro cursos (pintura, escultura, comunicação e equipamento), no segundo ano escolhia-se uma de duas vertentes, artes plásticas ou design, e só no terceiro ano é que nos instalávamos então com armas e bagagens na área específica de licenciatura. Podias sair, no final do terceiro ano, com o bacharelato. Parecia curto… A verdade é que estes três anos eram decisivos na criação de uma cultura e de uma prática integradas, que nos dois anos finais, constituíam um bom lastro.

Por outro lado, o 25 de Abril de 74 vem provocar uma quebra no caminho do design, nomeadamente do industrial, porque enquanto no curto consulado de Caetano alguma cultura da necessidade se instalara em relação ao desenho e à produção, Abril leva os cartolas a mandar parar as máquinas, dá-se a descapitalização de muitas empresas e mesmo a fuga de capitais e o boicote deliberado a um certo “desenvolvimento”. Os patriotas! Mas é neste ambiente (que, por outro lado, convocava à festa e à expressão por vezes comovente das energias até então amordaçadas), que se desenvolve o ensino. Os próprios professores estão muitas vezes à rasca e daí nascia, digamos, uma cumplicidade. As fragilidades davam-nos força e eu, digo com convicção, fartei-me de aprender coisas novas, às quais me dediquei com entusiasmo. Só um bocado mais tarde é que aparece o arraial das privadas e aí o ensino do design entra mesmo numa crise de identidade que está a dar cabo disto.


R. : Num dos seus textos evoca Steiner e a importância de saber “ler os antigos”. Quais são as suas principais referências e, sabendo que elas não se limitam ao campo do design gráfico, como é que referências de outras áreas criativas (da literatura ou do cinema) encontram “tradução” no seu trabalho de design?

A.J.C. :Referências, digamos (sem querer recuar à infância) que elas têm dimensões relativas mas, já agora, não posso deixar de mencionar a de um antigo professor de desenho, no Liceu de Portalegre, João Tavares – sujeito exemplar nas suas aulas e um dos incentivadores da Manufactura de Tapeçarias de Portalegre (hoje, estupidamente entregue a uma miserável degradação por falta de encomendas). Não sei se interessa muito carregar para aqui uma série de nomes, isto é tudo relativo, e as coisas podem ter sido decisivas para mim por razões conjunturais… Façam o que quiserem com isto, não é importante, mas talvez se encontrem algumas marcas relacionadas com o meu trabalho. Assim, à balda, na livralhada, Boris Vian, Mark Twain, Abelaira, Maria Judite de Carvalho (grande pancada), Camus, Pavese, o Steinbeck de “A um deus desconhecido”, depois o Herberto, Luísa Neto Jorge, Fernando Assis Pacheco, Eugénio de Andrade, Nemésio, está bem, o Steiner, Almada, sei lá, no cinema é o Antonioni, assunto arrumado que as outras dezenas não cabem aqui, vá lá ainda o Tati das férias, o David Lean e o Dreyer.

Como é que tudo isto toca o meu trabalho de designer, caramba, não sei responder. Alguém
que esteja para se chatear com isso, mas talvez uma pequena intensidade poética que eu vejo como uma emoção insegura, uma procura, uma imponderabilidade, mas sempre na preocupação do “dia claro”. Como quem diz sim, façam lá um esforço para apanhar a coisa, mas eu preocupo-me que ela esteja lá. Não lhe posso chamar rigor, é mais uma tensão.



R. : Ao analisarmos o seu trabalho gráfico, identificamos uma identidade formal muito definida mas dentro dessa identidade uma notória evolução das soluções formais utilizadas. Nos trabalhos dos anos 1980 sente-se, como determinante, a influência (ou a citação) da pintura enquanto que nos trabalhos mais recentes a utilização da tipografia parece ser o elemento central da composição. Esta evolução resulta de um processo consciente? E que influência tem a evolução das ferramentas gráficas sobre o seu trabalho.

A.J.C. :É bem vista a constatação de uma evolução nas formas dominantes no meu trabalho. Se bem que, como o Byrne, estou quase a puxar da pistola quando se fala da forma!

Bem, a pintura está sempre lá, não propriamente como um “formalismo”, mas como uma relação plástica com o mundo, com os outros (com o “mundo dos outros”).

Depois as problemáticas da comunicação começam, nos noventas, a agigantar-se naquilo que é a dimensão social do trabalho criativo e aí, as dinâmicas do desenho tipográfico surgem como materiais mais adequados, parece-me.

Claro que o digital é parte significativa neste encaminhamento, tanto como também é parte disto como um problema. A desmaterialização da tipografia (ao mesmo tempo que a da imagem, a do corpo, a dos sentimentos…) suscita, curiosamente, um incremento das linguagens tipográficas, pela flexibilidade da experimentação. Desaparece a responsabilidade do tipógrafo e o fim desta relação leva o designer a ter que assumir valores de alguma solidão. O que, diga-se, nem todos merecem… Quando as técnicas não são estruturadas em torno de saberes sólidos e de um sentido da história, podem dar origem a um facilitismo lamentável, que vem banalizando a ideia de design e ajudando a que este vá cristalizando em torno do formalismo e de uma cultura projectual que não se interroga, apenas quer produzir mais ruído para os consumos domesticados. Em vez da cabeça um monitor de computador, em vez das mãos um rato, em vez do coração um estabilizador de corrente.


R. : A propósito da Exposição retrospectiva da sua obra, ocorrida em 2007, o Aurelindo Ceia afirmava que “expor o meu trabalho é também abdicar do que é um processo de poder: um professor, numa sala de aula, encontra-se numa situação de poder perante os alunos, e essa é a base do processo formativo. Quando (me) exponho, subverto essa relação de poder – todos os professores que têm obra feita deveriam ter condições para serem sujeitos a essa prova.” Trata-se de uma ideia muito interessante. Parece-lhe que, de um modo geral, vivemos numa sociedade em que cada um se expõe pouco, em que se foge a situações nas quais abdicaremos do nosso poder, no que é também uma fuga à confrontação, à crítica e ao diálogo?

A.J.C. :O que me parece é que vivemos numa época em que há cada vez mais gente a expor o seu lado menos interessante, o exterior, o efémero, o circunstancial, a imagem sem risco – exibicionismo, diria. O consumo para que somos arrastados como se dele dependa a salvação das almas, implica isso, essa permanente reconversão dos corpos, essa obsessiva formatação em torno de um receituário que se apresenta sem crítica.

Claro que falamos de poder. Abdicamos, como dizes, do poder essencial de tentar determinar a nossa vida, em troca das pequenas glórias do quotidiano onde a comunicação se tornou um problema – não um incremento nas possibilidades de uma relação harmoniosa com o real. Como dizia o outro, comunicamos mais, não comunicamos melhor.

Sim, no fundo trata-se de uma fuga à crítica e ao diálogo. Vamos ter de aprender a andar de costas uns para os outros, como citava já o Nuno Portas num livrinho dos anos sessenta…
De qualquer modo, o facto de ter exposto o meu trabalho correspondeu a um conjunto de circunstâncias internas, nas Belas-Artes, não serve nem para salvar o mundo nem coisíssima nenhuma. Acho, enfim, que um professor, quando tem obra publicada, seja qual for a área, deve poder confrontá-la com o olhar e o pensar dos seus alunos – a quem, de resto, a minha exposição era, não só dedicada, mas também destinada.


R.
: Numa entrevista ao Público, o Aurelindo Ceia dizia que “o design é hoje uma prática com um défice de pensamento” que o torna menos eficaz na resolução do grande desafio que se coloca “projectar novas formas de viver a contemporaneidade.” Parece-lhe que o ensino superior em Portugal está a ser capaz de formar designers competentes para responder a este desafio?

A.J.C. :Posso parecer pretensioso, no que vou dizer, respondendo à tua pergunta, mas – será o ensino superior hoje capaz de formar seja o que for para responder a qualquer desafio, a não ser os do imediato, isto é, os do “mercado”, como eles dizem?

Quando o ministro nos manda configurar os programas com as necessidades dos “empreendedores”, estamos conversados. E depois há uns académicos que, perante isso, obedecem! Os outros, resistem, mas caramba, não se pode passar a vida inteira à porrada. Cansa. Mas, poder-se-á perguntar: o que são “designers competentes”?

No meu entender, serão aqueles que consigam integrar no seu trabalho uma reflexividade filosófica e científica. Quero dizer: responsabilidade social e ética individual. O design deixou de ser apenas a prática do projecto. Por muito competente que seja, o projecto leva ao produto e este é distribuído como consumo – a única coisa capaz de sustentar este “capitalismo” já tão híbrido que tem que se travestir de outras configurações para que a gente o engula. O óleo de fígado de bacalhau era ao litro, agora é em pílulas, mas não deixa de ser uma coisa enjoativa, só que a malta não dá por isso.

A transversalidade do design atravessa hoje muitos e cada vez mais complexos campos da actividade e, assim, há que repensar o design como processo, e não apenas como uma competência para chegar à “forma” (por muito que a isto juntem o álibi da “função”). E aí entra o modo como eu descrevo o essencial do design: desenho da cidade e da cidadania. Há aqui um programa que envolve uma crítica do mercado, mas também uma reavaliação dos sentidos do “belo” e da “estética”, ao mesmo tempo que limita, naturalmente, a voragem da produção (com o cortejo que esta habitualmente arrasta: destruição dos recursos, desvalorização das funções, estetização absurda da inutilidade).

O ensino superior é hoje, como instituição, uma bajulação complacente das “ideologias” do económico e do financeiro. A velha “academia” fundada por Platão em 387 aC, perto de Atenas, como lugar de discussão livre sobre o saber, é hoje um palavrão depreciado que se contempla mais através dos ridículos rituais do que de uma verdadeira inquietação e progresso.


R. : Se lhe pedisse um conselho para um jovem designer, qual daria?

A.J.C. : Conselhos? Não, não me atrevo, como dizia o outro, é um luxo que não posso permitir-me. Alguns dados para reflectir estarão, em parte, nalgumas das palavras atrás. O que lhes posso pedir é que não se deixem tocar por velhos jarrões e dinossáurios engravatados, e que mereçam a idade que têm.

Sunday, October 26, 2008



Jorge Frascara propõe no seu artigo “A History of Design, A History of Concerns” uma interessante classificação de quatro tipos de design. A taxinomia proposta por Frascara começa por me interessar na medida em que procura pensar a qualidade do projecto de design a partir da relevância do seu impacto social, retomando assim a originária definição do design como acção socialmente eficaz.

Os quatro “tipos” considerados por Frascara são os seguintes:

1. Design que auxilia a vida (design to support life): opera directamente e promove condições de suporte determinantes para a nossa vida.
2. Design que facilita a vida (design to facilitate life): design que torna mais fáceis, rápidas ou eficientes determinadas operações.
3. Design que incrementa a vida (design to improve life): design que gera mais valias culturais, ecológicas, sociais, psicológicas, entre outras.
4. Design inconsequente (inconsequential design).

Em bom rigor não deveríamos falar em “design inconsequente” pois o design terá sempre, em maior ou menor escala, de forma directa ou indirecta, consequência social. Preferiria falar em design incompetente, expressão que torna muito mais claro o facto de competir ao design gerar (ou, ainda, mediar, promover, idealizar…) mais valias sociais embora uma boa maioria dos projectos se revele, perante esse desiderato, incompetente.

Tuesday, October 21, 2008

JONATHAN (OU, A PROCURA D'A IMAGEM)




A fotografia é uma das imagens mais impressionantes do 11 de Setembro de 2001. Faz parte de uma série de 11 fotografias tiradas por Richard Drew, repórter fotográfico da Associated Press, celebrizado pela cobertura chocante que fez do assassinato de Bob Kennedy, e representa um dos muitos "jumpers" do World Trade Center que escolheram saltar para a morte, num mergulho terrível e, ao mesmo tempo, algo "libertador", em vez de sufocarem no mar de chamas e fumo que invadiu os andares superiores das Torres Gémeas.

Embora se certezas absolutas, todos os indícios apontam para que o "Falling Man" (como ficou conhecido) seja Jonathan Briley, um trabalhador do Windows of the World, o restaurante do 106 andar da Torre Norte, de onde Jonathan se decidiu atirar para o seu voo fatídico, exatamente quinze segundos depois das 9 e 41.

Esta fotografia não é como as outras. Surge impregnada de uma incomodativa correcção estética, com o rigoroso alinhamento vertical da composição, a colocação "estudada" do corpo no enquadramento, a justeza da escala, a posição desconcertante e exacta do indivíduo. Como o próprio fotógrafo afirmou: "Quando se trabalha em fotografia digital, habituamo-nos a procurar A IMAGEM. Esta fotografia parecia saltar no ecrã, por causa da sua verticalidade e simetria. Tinha o "tal ar".

Digamos que é a procura deste "ar" - uma outra forma de falarmos das propriedades icónicas da realidade - que vem pautando, cada vez mais, a atitude do fotógrafo face ao acontecimento. Como qualquer editor sabe, é a retórica cristalina, a transparência exemplar e rara destas imagens que as põe a circular nos media, com tamanha velocidade e capacidade persuasiva. São estas as imagens que vendem, porque pensam o real por elas próprias, porque parecem traduzir a própria vontade do real em se transformar em imagem, eternizando-se.

Para trás ficarão todas as outras: menos preocupadas com este impacto icónico, avassalador, com essa vontade de congelar o tempo e a história, e mais atentas à ambiguidade a aos matizes humanos de uma história, de um acidente, de uma pequena ou grande tragédia. É também essa a fronteira que separa a propaganda do documentário, a vida das imagens das imagens da vida.
Apesar de não parecer, Jonathan morreu mesmo no chão do WTC, quinze segundos depois das 9 e 41, do dia 11 de Setembro de 2001.

(Adaptado de "Jonathan" de João Mário Grilo)

Monday, October 20, 2008



Em finais de 1996 publicava-se em Portugal uma entrevista com Michele de Lucchi, director de design da Olivetti.

Entre outras coisas interessantes, dizia ele:"a qualidade mais importante do design hoje é ser capaz de perceber antes de toda a gente quais são os secretos desejos das pessoas à volta do objecto". E perceber, digo eu, quão "secretos" serão realmente esses desejos, de que universo emanam, se do individual se da compulsão consumista.

Entroncam aqui vários problemas, quais sejam: a) a importância da formação cultural e da consciência cívica do designer; b) a caracterização daquilo que é o valor do produto; c) a evolução do conceito de arte.

Onde antes só havia "imagem" e era através dela que passavam os desejos, as emoções e as ideias que o público deveria interpretar, há hoje sistemas de objecto/imagem e de imagem/objecto. Este é o campo do design.

AURELINDO JAIME CEIA, DESIGN QUÊ? DESIGN CRÍTICO! (1997)
IN Uma poética visível. O design gráfico de Aurelindio Jaime Ceia

Sunday, October 19, 2008



Se a contemporaneidade se parece caracterizar pela simultânea reterritorialização dos campos disciplinares, tornados crescentemente híbridos, e pelo esforço de definição territorial, pela afirmação de autonomias disciplinares a despeito de uma tendência marcadamente transdisciplinar, o design pode ser entendido como um campo paradigmático de reflexão contemporânea e de debate das próprias lógicas de interpretação contemporâneas.

A constituição do design como objecto de análise deu-se ainda antes da definição das competências daquele que o pratica, o designer. Deste modo, introduzido no quadro no pensamento Utilitarista do séc. XVIII, o design surge indissociável de um novo olhar político que ambiciona encontrar ferramentas de intervenção e ordenação do espaço social, impondo uma construção teórica antecipadora da prática que, como se sabe, sofreu desde as suas origens de uma aparente desadequação relativamente aos princípios programáticos que a deveriam orientar

A definição do que é e o de que não é design, sendo tarefa recorrente, não deixa de ser um exercício relativamente inconsequente na medida em que esta “impureza” é ínsita aos desenvolvimentos teóricos e projectuais que, progressivamente, vão definindo, na sua diversidade, práticas do design. De facto se, de Bentham a Morris e de Pevsner a Papanek, vamos encontrando esforços de regulação teórica do design, a verdade é que estes esforços de definição, independentemente do seu rigor, apenas conseguiram desenvolver “focagens” sobre um campo disciplinar que se não deixa reduzir à “pureza” de uma interpretação ou olhar parcial. Disciplina “impura”, o design, sempre faz arrastar, como sua sombra, uma ordem complexa - cultura e técnica, economia e política – que projectualmente se reordena, sob várias escalas e dentro de diferentes registos de intencionalidade.

Bem entendido, o design sempre foi “moderno”, independentemente de os analisarmos no contexto do proto-design oitocentista ou no contexto do neo-funcionalismo que sucede à segunda guerra mundial.

Essa “comunhão” de espíritos entre modernidade e design, explica o seu destino comum. “Moderno” tornou-se uma categoria histórica e tipológica, de modo semelhante, o “design” tornou-se uma categoria metodológica e tipológica, mas a tendência natural de ambos remete mais claramente para o tipológico do que para o uso historizado (com as inevitáveis remetências para um período “cristalizado” ou para a abstracção de um estilo ou movimento) ou mesmo do que para a prática processual (que, no limite, se tipologiza).

Este pendor tipologizante e universalizante (o design é fruto do triunfo da “cultura” sobre a “civilização” que se dá em oitocentos) presta-se à queda na contradição: uma categoria que se quer tipológica, que se quer aplicável a manifestações universais, tende a ser circunscrita em parâmetros históricos, já historizados, do “moderno” identificado com um período que (partindo filosoficamente do iluminismo) se desencadeia no final do século XIX e sucumbe (sem consenso) com o advento do chamado “pós-moderno”.

Modernism: Designing a New World 1914-1939, é o catálogo, editado por Christopher Wilk, da gigantesca exposição que o Victoria and Albert Museum de Londres acolheu entre Abril e Junho de 2006, e que nos mostra como algumas ideias, propostas e movimentos, que ocorrem na Europa e nos Estados Unidos num contexto marcado pela radical transformação dos meios produtivos e pela intensa renovação cultural ligada às vanguardas históricas, tendem a gerar uma “expressão colectiva dominante”, um “ismo” que, mesmo heterogéneo e, em muitos sentidos, contraditório, ambicionou ser um “ismo”, um “estilo internacional”, capaz de afectar a arte, a economia, a política.

Em design, “modernismo” começa por significar uma lógica intencional de ordenação, quer do novo quer do antigo, quer do individual quer do colectivo. O início do primeiro capítulo do livro – “Introduction: What was Modernism? – abre com uma citação exemplar de Walter Gropius, datada de 1919: “Today’s artist lives in an era of dissolution without guidance. He stands alone. The old forms are in ruins, the benumbed world is shaken up, the old human spirit is invalitaded and in flux towards a new form. We float in space and cannot perceive the new order.”.

A esta explicação da “nova ordem”, dedicaram-se Walter Gropius, Sigfried Giedion ou Nikolaus Pevsner, teorizando o design e reescrevendo a sua história, de resto, simbolicamente, a escolha do período cronológico da exposição (1914-1939) remete-nos para a leitura de Pevsner segundo o qual o movimento da Arquitectura Moderna se inicia em 1914, interpretação que não deixa de ser duvidosa se pensarmos nos projectos de António Sant’Elia ou de Gropius anteriores à primeira guerra mundial.

O grande mérito de Designing a new world – obra impecável do ponto de vista da qualidade gráfica – é o de conseguir um indiscutível equilíbrio entre a “exposição”, amplamente documentada, e a discussão (excelentes e claras sínteses de Christopher Wilk; Christina Lodder; Christopher Green; Tag Gronberg; Tim Benton e Ian Christie) sobre o Modernismo, no que consegue ser um bom retrato crítico sobre um período fundamental da história cultural mundial.

MODERNISM: DESIGNING A NEW WORLD 1914-1939
ED. CHRISTOPHER WILK
V&A, LONDON, 2006
447 pp.

Sunday, October 12, 2008

REACTOR ENTREVISTA DORINDO CARVALHO





Reactor: Dorindo Carvalho fez a sua formação na António Arroio e, e em 1961, parte para Angola, onde ainda conhece o Cruzeiro Seixas. Como foram esses primeiros anos e que influência é que eles exerceram na sua carreira?


Dorindo Carvalho: A influência foi grande. Direi mesmo que houve em mim uma volta de cento e oitenta graus. Até aí, tinha praticamente vivido num meio familiar bastante fechado. Por várias razões o curso da António Arroio foi só possível fazê-lo à noite. Comecei-o com catorze anos. Antes não se podia entrar num curso nocturno e com mais de doze não se podia entrar num curso diurno. Era assim. Feita a primária, passei pelo menos dois anos ajudando o meu pai em fotografia, o que continuei a fazer, durante o dia, enquanto à noite fazia o curso da António Arroio.

O curso nocturno não era tão intensivo como o de dia. Depois, a estudar de noite e trabalhar de dia noutra área, há menos possibilidade de praticar o que é ensinado e existe mais dificuldade de contactos que permitam abrir caminhos. Assim, tudo o que verdadeiramente aprendi e o que sei foi fruto de uma sensibilidade para saber ver. Posso dizer que não tive mestres nem orientadores.

Terminado o curso em 1958, cumpri o serviço militar obrigatório e, depois de pouco tempo de interregno, fui mobilizado para Angola. Por uma casualidade e pela minha especialidade dentro do exército estive bastante tempo em Luanda. Foi possível então contactar com o meio cultural da altura. Conheci várias pessoas interessantes como o Cruzeiro Seixas. Participei e realizei exposições que proporcionaram que a Fundação Gulbenkian me adquirisse dois trabalhos. Desenhei cenários e figurinos para o Teatro Experimental de Luanda, onde me tornei amigo do director do grupo, Heitor Gomes Teixeira, advogado, ensaísta, professor, por último pertencendo aos quadros da Universidade Nova de Lisboa. Também fez teatro, em Coimbra com o António Pedro e em Lisboa com a Maria Luzia Martins. Heitor Gomes Teixeira, foi particularmente importante para mim porque me abriu horizontes, até então, quase desconhecidos. A tal volta de cento e oitenta graus muito foi devido a ele.


R. : Em 1965 expõe no VII Salão dos Novíssimos organizado pelo SNI. Como é que, nessa altura, o jovem Dorindo se integrava no contexto social, politico e artístico português.


D. C. :Não se pode dizer que tivesse existido uma integração. Não houve mesmo integração. Regressado de Angola há pouco mais de um ano, tornava-se necessário participar em algo. O Salão dos novíssimos foi uma forma de aparecer numa exposição colectiva em Portugal.


R. : Nos seus trabalhos dos anos 1960 é já evidente a influência do Neo-realismo. Recordo-me do Rui Mário Gonçalves que afirmava que "o neo-realismo começou por ser apelo cívico à imediata intervenção política". Como se relacionam estas dimensões (cívica, política, artística) no seu trabalho?


D. C. :Os meus primeiros trabalhos, classificados como neo-realistas não foram realizados sob qualquer formação política ou artística. Foi a representação pessoal do que vi à minha frente: O trabalhador angolano. A sua condição humana fez desenvolver em mim um sentimento, que exprimi plasticamente, talvez numa dimensão cívica, e então, como nada é apolítico, também com uma dimensão quase obrigatoriamente política.

Para reafirmar o que disse está o facto de nos trabalhos apresentados em Luanda alguém ter dito que eles demonstravam influências de Portinari, só que nessa altura, para mim, Portinari era totalmente desconhecido. A partir daí, já de forma pensada, o social, o político e o artístico
se integraram quase sempre em todo o meu trabalho.






R. : É fácil identificar, no seu trabalho gráfico, uma linguagem própria (a utilização da cor; os granulados; a grelha gráfica; o uso da tipografia) com influências que vêm da pintura, da ilustração e do Modernismo gráfico. Quem são as suas grandes referências?


D. C. :Referências, tenho muitas, por certo, mas é difícil individualizá-las. Referências e influências, existem sempre. Há uma atracção naquilo que se vê, que por uma questão de sensibilidade assimilamos e, depois sem dar-mos conta, utilizamos como norma no nosso trabalho. Nenhum artista vive numa ilha deserta, todos têm influências que são decisivas sem se saber por vezes a sua origem. Além de tudo mais, quando gosto de algo que vejo, raramente me importo em saber quem o fez (também porque tenho grande dificuldade em fixar nomes).
O mais importante para mim é o que está feito.






R. : Muito do seu trabalho gráfico foi feito para Editoras, como a Assírio & Alvim e a Diabril, no contexto pós-abril, como foi essa
experiência?

D. C. :Inicialmente pensando numa carreira de pintor, encontrei-me com as dificuldades de sobrevivência. Viver da pintura não era nada fácil
e mesmo agora, continua a não ser. Ou se comercializa a pintura, pintando o que os outros querem, podendo passar trinta e quarenta anos a pintar o mesmo, como acontece em alguns casos, ou se tem que andar muito perto de grupinhos, amiguinhos e em tertúlias. O que nunca foi do meu gosto.
Dentro do desenho gráfico, o que se senti poder dar-me maior liberdade criativa, era nas capas de livros. Pensei que a capa de um livro funcionava como um pequeno quadro, que numa montra de uma livraria teria muito mais visibilidade do que um quadro metido entre as quatro paredes de uma sala de exposições e que é só visto, quase sempre, pelos amigos.

A capa de um livro numa montra tinha, nessa altura, uma função mais pedagógica de que tem hoje. Existiam diferentes concepções gráficas fornecendo vários dados estéticos e tinham a particularidade de identificarem as casa editoras. Hoje, na maioria dos casos, são iguais com o estilo das novas tecnologias. Realizei inicialmente capas livros para as Publicações Europa- América e logo a seguir para os Livros do Brasil, Prelo e outras editoras e para revistas, como por exemplo a Vida Mundial.

Ainda antes de Abril de 74, acompanhei graficamente o nascer da Assírio & Alvim, onde já existia «um espírito de Abril». Pós 25 de Abril a minha participação, foi deveras interessante no projecto da Diabril e na Vida Rural. Referindo-me ainda à pergunta anterior, os nomes que tenho mais presentes, não são nem da área do desenho gráfico, nem da pintura, embora aqui pudesse indicar Bacon ou Adami, mas as minhas referências são mais de carácter humano dada á actividade ligada precisamente a editoras. Algumas mais influentes e amigas do que outras, mas não deixaram de ser influentes. Estou a falar, para além de Heitor Gomes Teixeira e Cruzeiro Seixas de que já referi, de José Gomes Ferreira, Fernando Namora, José Cardoso Pires, Urbano Tavares Rodrigues, José Saramago, David Mourão Ferreira, e tantos mais.


R. : Curiosamente, ao regressar da Venezuela, volta a colaborar muito activamente com a Divisão Editorial do Instituto Piaget?


D. C. :Sim! Foi praticamente o primeiro contacto que tive ao regressar de Venezuela e dada à sua grande quantidade de edições, tenho permanecido quase a tempo completo colaborando com o Instituto Piaget.


R. : O que o levou a partir para a Venezuela e que experiência recorda desse período onde desenvolveu intenso trabalho?

D. C. :A necessidade de conhecer outros horizontes, outros meios no mundo das artes existia desde há muito. Estive quase para ir para Bruxelas, mas não aconteceu. Com a realidade económica existente em 1979 e forçado por questões particulares, aproveitei um contacto com um português radicado na Venezuela e fui até lá, ainda que estivesse, nesse momento, a trabalhar na Televisão e a dar aulas na António Arroio. Não era por certo, o horizonte desejado, mas foi o que consegui. Foi, quase unicamente uma mudança de residência. A actividade continuou a ser a mesma.

Depois de uma curta passagem pela publicidade, foram as capas de livros, a colaboração em jornais e revistas, a pintura e dando aulas de Desenho Gráfico em dois dos mais importantes Institutos de Caracas que ocuparam o meu tempo.

Há muitas histórias para contar quando se é emigrante, mas o que mais importância teve para mim, foi o ter recebido o 1º prémio de desenho do Salão de Aragua em Maracay, pela primeira vez dado a um estrangeiro. Também a criação de um logótipo de uma instituição estatal que foi afixado em toda a Venezuela. Igualmente de interesse, foi o relacionamento com a comunidade portuguesa que possibilitou pertencer à Comissão Organizadora das Comemorações a Fernando Pessoa e que deu origem à formação do Instituto Português de Cultura de Caracas,do qual fui membro fundador e directivo.


R. : Como foi o regresso a Portugal?

D. C. :De certo modo senti-me de novo emigrante. Muita coisa aqui tinha mudado. Nesses quase treze anos que estive fora do país, de 1979 a 1992, para além das mudanças globais houve a mudança proporcionada pela entrada na Europa, com todo o bom e o mau como sabemos. Era um Portugal diferente.


R. : O livro dedicado à sua obra assume, como título, o princípio de Protágoras "O homem é a medida de todas as coisas", que actualidade tem esta máxima nos dias de hoje e como gostaria que os artistas a praticassem?


D. C. : Desde os meus primeiros desenhos em Angola, a dimensão humanista esteve sempre presente.Tal como eu, gostaria que artistas e todos os seres pensantes reflectissem nas palavras de Protágoras que serão sempre actuais, assim o homem seja sempre humano:

O HOMEM É A MEDIDA DE TODAS AS COISAS;
DAS QUE SÃO ENQUANTO SÃO,
DAS QUE NÃO SÃO ENQUANTO NÃO SÃO.

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REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com